sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Meu reflexo


O espelho me revela o que eu não quero saber, mas faço questão de saber: como estou. Primeiro ele mostra que para quem acabou de acordar estou muito amassada, cabelos emaranhados e olhos vermelhos. Lavo o rosto e tento domar as madeixas. Volto para a frente do espelho, amigo que não mente, e talvez por isso pior inimigo. Dessa vez ele me faz perceber rugas. Rugas? Aos 23 anos de idade? E por que não? Bem que minha mãe dizia para usar cremes para o rosto, principalmente protetor solar. Sinto-me uma filha desobediente e que foi duramente castigada.

No auge do desespero percebo pela milésima vez que meus olhos não são azuis, nem verdes. Os comuns olhos castanhos penetram minha alma através do espelho e me enfrentam revoltados: “Castanhos sim, algum problema?. Respondo prontamente que não. Problema algum. Tirando todas as cores possíveis de olhos, o castanho é o meu predileto. Feito as pazes com meu par de olhos, volto minha atenção à boca. Tão normal que chega a cansar. Nem fina, nem grossa. Apenas boca. Talvez o nariz poderia ser diferente, um pouco menor quem sabe. Os cabelos pedem um corte urgente, ou em último caso, uma peruca resolveria meu problema.

Em cinco minutos à frente do espelho já briguei mentalmente com grande parte dos membros do meu corpo. Fecho os olhos e tento imaginar como seria ter o olhar verde de determinada cantora americana, os lábios carnudos de uma tal atriz brasileira, e por aí vai. Quando me transformei em uma outra pessoa, abro os olhos e deparo com minha imagem, tão conhecida, e no momento, tão criticada. Suspiro desanimada ao perceber que não posso ser outra pessoa.
Minha irmã me empurra e fala que precisa se arrumar e estou “alugando” o espelho. De mau humor resolvo dar uma volta no quarteirão, talvez aproveite e passe na farmácia para me pesar e descubra que engordei uns 20 quilos em uma semana. Escolho um casaco quente para sair. Imagino que o tempo deve estar cinza e frio, para harmonizar com meu gênio. Devo admitir que quando acordo de mau humor me torno uma jovem bem exagerada.

Saio à rua e me deparo com um sábado de sol. Carrancuda, permaneço com meu casaco. É como um manifesto contra as pessoas alegres e joviais, que teimam em serem felizes, mesmo quando estou brigada com o espelho lá de casa. Cumprimento rapidamente alguns vizinhos. Tento me esquivar de todos. Concedo um oi básico para Dona Dora, uma senhora que passa maior parte do tempo sentada em uma cadeira na frente da casa dela. Porém, ela emenda uma conversa na outra e sorri despudorada para mim, apesar de só ter dois dentes. Acho linda a Dona Dora. Sua história de vida, sua cadeira vacilante na calçada. Arrisco-me a sorrir com ela.

Adiante encontro a “Alegrinha”, uma garota, de uns 13 anos, que vive alegre e que mora no final da minha rua. Até hoje não sei o nome dela. Apelidei-a de “Alegrinha” há uns dois anos, e assim a chamo sempre. Ela conversa comigo e diz que pensa em ser jornalista quando crescer, assim como eu. Me sinto lisonjeada e digo que ela deve sempre estudar. Aqueles conselhos (que eu odiava escutar de um adulto quando ainda adolescente) sobre a importância de ser alguém na vida e blá, blá, blá. Percebo que Dona Dora e “Alegrina” me reconquistaram com seus sorriso e paciência para com uma vizinha mau humorada de casaco de lã em um sábado de sol. Depois de encontrar mais algumas figuras da vizinhança, decido voltar para casa e deixar a balança para trás.

Passo novamente perto do espelho e distraidamente me vejo. As rugas parecem que tiraram férias. Seriam frutos da minha imaginação? O nariz se torna “simpático”, a boca tem um quê de irônica. Os cabelos como que dançam em ondas serenas, até bonitas. Os olhos... ha, esses olhos. Eles se revelam interessantes, brilhantes até, como se me desafiassem e dissessem: “Eu não disse que estávamos com razão?”.

Não sei do que eles tinham razão. Mas percebi que há momentos em que conseguimos só ver defeitos e desastres. Mas nada como uma caminhada simples, um olhar para a vida, uma conversa aqui e ali, para acalmar o furor de nossa alma. Muitas vezes acordo assim, querendo chutar o cachorro e quebrar o espelho. Mas meus olhos teimam em me revelar que mau humor passa, principalmente com sorrisos de quem sabe realmente sorrir. Sorrisos descompromissados, aqueles que não querem nada em troca. Meu olhar também mostra que sou muito mais do que o espelho reflete.

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